O IGNITE foi ao Mozilla Festival 2018!

Acompanhe aqui o relato do que aconteceu lá em Londres e o que a divulgação científica tem a ver com isso.

Gracielle Higino
6 min readNov 2, 2018

Quando eu recebi a notícia de que o IGNITE foi selecionado para compor a programação do 9º Festival da Mozilla eu estava no Rio de Janeiro, encontrando forças nos amigos queridos que fiz no Camp Serrapilheira após a tragédia que atingiu o Museu Nacional. Alguns dias antes eu me via sem querer levantar da cama, questionando todo o meu trabalho e toda a minha carreira, um questionamento emoldurado pelas chamas na Quinta da Boa Vista, decorado com comentários irônicos e acusadores nas redes sociais. “Os cientistas não descem do salto”, “os divulgadores de ciência não estão fazendo o trabalho direito”, eles diziam. No entanto estávamos lá: 50 projetos de divulgação científica reunidos em um evento como nenhum outro, que colocou no mesmo espaço divulgadores novos e experientes, de vários estados do país, com diferentes preocupações, todos com um mesmo amor pelo compartilhamento do conhecimento e com um brilho nos olhos que era fruto de uma esperança de ver o nosso país prosperar pela educação.

Nunca é demais lembrar dessa foto linda! (tirada por esse fera aqui)

E foi nessa atmosfera que soube que iria a Londres dentro de um mês e meio conversar com um público ainda mais diverso sobre acessibilidade na divulgação científica. A expectativa era IMENSA, porque o MozFest é a conferência/inconferência/festival mais maluco que eu já ouvi falar! Mais que isso, eu já conhecia parte da comunidade da Mozilla e já era muito apaixonada por todos eles, e por como eles têm um compromisso muito forte com o acolhimento. Uma sessão no MozFest era exatamente o tipo de coisa que o IGNITE precisa: ela reúne cérebros completamente diferentes, pessoas com interesses completamente distintos, com formações absolutamente intangíveis, mas com o interesse em comum em tornar o conhecimento mais acessível e descentralizado. Esse é o core do IGNITE.

Eu e a Maria Letícia (co-líder do IGNITE) bolamos uma sessão que é bem a nossa cara. Queríamos preencher uma lacuna nos treinamentos do IGNITE que é a inclusão e a diversidade nas audiências dos projetos de divulgação científica. Nossos treinamentos ainda não cobriam formas de divulgação científica voltadas para pessoas com algum tipo de impedimento sensorial. E a gente acha isso crucial. Então pensamos no Festival, nas pessoas que estariam lá, e resolvemos chutar o balde (mantendo o objetivo claro em mente): como podemos comunicar ciência de formas não convencionais utilizando nossos sentidos? Será que podemos fazer um podcast para pessoas com dificuldades de audição? Como podemos fazer vídeos que possam ser divertidos também para quem tem dificuldades para enxergar? E no final da proposta pedimos que a organização nos ajudasse com brinquedos de montar, instrumentos musicais de brinquedo, massinhas de modelar e “coisas que cheiram”.

E sabe o que aconteceu?

Eles arrumaram tudo isso pra gente!

Na hora da sessão eu tinha conseguido reunir um time bastante diverso, com pessoas com histórico, por exemplo, em ensino, publicações e revisões de periódicos acadêmicos, neurociência, e mídias digitais. Em um primeiro momento discutimos as principais barreiras no acesso às informações científicas. As pessoas citaram a barreira da linguagem, imagens em esquemas de cores que dificultam a visualização, artigos científicos em PDF’s, especialmente os que precisam ser pagos para ler e os que não têm reconhecimento ótico de caracteres, e até mesmo a velocidade de fala do orador.

E aí começamos a pensar em formas irreverentes de solucionar estes problemas. Palestrantes que falam muito rápido? Que tal um contador de palavras por segundo feito com lego? E se lembrássemos de utilizar mais imagens nos nossos vídeos para ajudar a superar a barreira da linguagem? Também podemos contar uma história sobre desmatamento utilizando cheiros de temperos que lembram florestas e poluição (eca!), com a ajuda de sinos que nos fazem entender que as matas estão sendo devastadas cada vez mais rápido. E como a compreensão da informação depende do ponto de vista, que tal utilizar uma escultura de massinha de modelar pensando na cor para as pessoas que enxergam as cores de formas diferentes e que pode ser interpretada de formas diferentes pelo tato?

Infelizmente eu não tirei fotos desse momento porque eu também estava brincando, vocês terão que imaginar. 😞

Nos últimos cinco minutos, revisamos tudo o que aprendemos e escrevemos conselhos direcionados aos cientistas que pretendem fazer algum tipo de divulgação científica, para que eles lembrem de fazer isso de forma acessível. Seguem alguns:

  1. Explore mais de um sentido ao comunicar uma informação, incluindo o tato, sempre que possível.
  2. Utilize paletas de cores que funcionem também em escala de cinza.
  3. Legende e use “alt text” em todas as suas ilustrações. Legende seus vídeos e suas palestras.
  4. Use humor e evidências. Conheça sua audiência. Faça conexões entre fenômenos e com a vida real. Seja criativo.
  5. Seja claro, tente ser simples e sempre disponibilize seus arquivos e artigos científicos.
  6. Aprenda a se comunicar sem jargões. Tente se comunicar com as palavras mais comuns do seu idioma.
  7. Desafie seu conceito de conhecimento.
  8. Fale mais devagar.
  9. Explique para uma criança de 10 anos: se ela entender, ótimo! Se não, sua explicação não será entendida pela maioria da população. Tente novamente!

E agora?

Depois desse brainstorm cheio de amor, voltei pra casa com muitas e muitas ideias na cabeça. A primeira coisa que eu tinha certeza que tinha que fazer era espalhar para todo mundo tudo isso o que eu acabei de relatar. Tudo o que foi feito naqueles 60 minutos é muito valioso e eu não sei como expressar a sorte que eu tive com essa oportunidade!

Nos próximos meses incluiremos essas e outras ideias nos módulos do IGNITE. E isso é um convite a quem quiser ajudar! O INGITE é um projeto aberto, e isso quer dizer que adoraaaamos quando as pessoas querem mexer, mudar, compartilhar, ajudar e criticar. Você pode fazer isso no nosso repositório no GitHub, montando documentos colaborativos no Google Docs ou enviando um e-mail pra qualquer um de nós (pode ser pra mim, no graciellehigino no gmail ponto com 😉).

Hoje, exatamente dois meses depois do incêndio no Museu Nacional que tanto simbolizou pra nós, divulgadores de ciência, tenho certeza de que estamos fazendo o nosso melhor, que existem pessoas muito esforçadas e preocupadas em descentralizar o conhecimento para que coisas como essa não se repitam. O Mozilla Festival também representa isso. Os sete dias de debates, aprendizado e compartilhamento sobre segurança e conscientização do uso de dados na internet, cyberativismo, inclusão, descentralização, transparência, sob as mais diversas perspectivas, são o caminho para que cada cidadão tenha voz na comunidade global. O Mozilla Festival é um festival extremamente preocupado com descentralização do poder, empoderamento das pessoas e das comunidades, e estes também são os ideais do IGNITE. Deu match. ❤

Unicórnio do espaço Queer passando pra encher seu dia de amor e revolução. ❤

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